terça-feira, 7 de setembro de 2010

A palmada e a pergunta sem resposta: ela educa?

          Por iniciativa da Deputada Maria do Rosário, foi aprovado pelo Congresso Nacional o Projeto de Lei Nº 2654 /2003, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil Brasileiro, estabelecendo o direito da criança e do adolescente a não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos.
          A lei, que se encontra sob perspectivas da sanção presidencial, prevê penalidade para os pais que submeterem os filhos a essa espécie de castigo. Com a mudança, pensa-se por um fim a um castigo que tem precedentes na história da educação brasileira, principalmente a católica. É que, a palmada foi introduzida no Brasil pelos padres jesuítas no século XVI, causando indignação nos indígenas, que repudiavam o ato de bater em crianças. A correção por meio da palmada, pela perspectiva judaico-cristã do Século XVI, era um ato de amor, pois amar seria também castigar os erros e dar exemplo de vida correta.  Orientados pela severidade dos mosteiros e pela disciplina das regras da ordem religiosa, para os jesuítas o excesso de carinho devia ser evitado porque fazia mal aos filhos.
         Nessa época a palmatória era o símbolo de correção e instrumento fundamental da educação. Era a educação adquirida sob pressão. Somente por volta de 1760 o Marques de Pombal ao expulsar os jesuítas do Brasil aboliu esse instrumento de tortura física e psicológica. Em tempo não muito distante, a palmatória ainda era utilizada. Na minha infância, era terror entre as crianças de Pau dos Ferros, onde nasci, a palmatória de Dona Maria Viana, uma professora particular responsável pela educação auxiliar de muitos alunos relapsos.
        Do ponto de vista do castigo físico, para as crianças a proibição da palmada tem a mesma eficácia do decreto régio do Século XIX que proibia o açoite nos escravos, sendo esse ato o último do Império antecedente à abolição. Assim, esta lei atual tem mesmo um caráter abolicionista, pois livra os infantes da correção física, ao invés da psíquica. A falta de moral dos pais, uma ausência de postura do exemplo, resvala sempre para a imposição da autoridade por meio do castigo físico. Somente por aí se justifica a palmada ou a machucadura em crianças. Não entendo bem sobre os efeitos psicológicos, se causa dano, se faz bem ou não. Deixo com os doutos a resposta. Mas nem eles mesmos sabem a resposta. A questão é complexa e gera muitas discussões. Existem psicólogos contra e a favor.
          É natural por aqui, quando não sabemos das coisas corretas, blefar ou soltar mentiras dizendo que nos “países de primeiro mundo não é assim”, ou se busca como exemplo Estados Unidos e nações européias. Para os palpiteiros, recordo que na França e na Inglaterra não existe legislação a respeito. Saibam que em 2004 o parlamento inglês voltou a discutiu a necessidade de aplicar castigos físicos como medida educacional legítima. Mesmo nos países asiáticos, a punição a certos crimes ainda se dá por meio de chibatadas. Quem não se lembra do jovem americano levando chibatadas em Cingapura, por ter sido condenado por tráfico de drogas?
          A minha experiência familiar sobre o assunto é contraditória e inconclusa sobre o tema. Os meus irmãos que mais apanharam - de palmadas a surra de cordas - foram os que deram mais trabalho aos meus pais. Se educaram menos pela eficiência do castigo físico, e mais, muito mais, pela evolução com o avanço da idade. Os mais novos não apanharam, e nem se pode dizer que foram exemplos de resultado educacional.  Cada família traz em si uma posição muito específica sobre o tema.
          Segundo nos lembra Michel Foucault, o uso do castigo físico faz parte de um sistema de controle de uma sociedade investida do sentido da ordem e da lei. Mas em nossa época, o castigo físico como método educativo é um absurdo. Os pais, quando bem posicionados, no papel de pai e mãe não precisam usar de violência para corrigir erros ou evitar reincidências dos filhos.
       Sou pessoalmente contra o castigo físico como meio de educação. Mas, também me insurjo contra a “lei da palmada” por outro viés: a da intrusão do Estado no método educacional da família. A depender do grau de instrução dos pais, ou da situação matrimonial, uma mera palmada poderá levar muitos pais ou mães de família ao banco dos réus, processados por quererem apenas o melhor para os seus filhos.
          E até imagino as conseqüências sobre os filhos de pais separados e que são criados em casas e ambientes diferentes: quantas crianças não dirão, por inconformação ou para chamar atenção, que receberam palmadas? Quantas mães ou pais problemáticos denunciarão os ex-conjuges por uma infração ou violência não cometida, apenas para satisfazerem seus egos de vingança? Quantos filhos não se voltarão contra os pais, intimidando-os e ameaçando-os de denuncia ao Conselho Tutelar? Criaremos a sociedade das crianças sem limites? Sei apenas que ninguém tem a verdade sobre a forma correta de educar. Por isso, métodos são criados e desconstituídos diariamente. De Piaget a Paulo Freire, a educação sempre será uma variável social, cujo resultado depende de muitos fatores concorrenciais. Sei, porém, que uma fórmula mais completa será a que conseguir associar família equilibrada, correção ética e moral dos seus membros, postura democrática e equilibrada dos tutores, e com isto teremos educandos melhor formados e mais felizes. 

(Francisco Marcos Araújo)

Um comentário:

  1. Eduardo Sidney A. Lima - FAD16 de setembro de 2010 às 12:11

    Este texto me remete a um episódio que ilustra minha opinião sobre o fato.

    Certa tarde, fazendo uma visita a um colega que trabalha num estúdio fotográfico, tive a oportunidade de me encantar com a maestria e docilidade com a qual ele fazia uma criança sentar, sorrir e posar para fotos.
    Os pais da menininha, encantados admiravam o quão geitoso era o rapaz no trato para com as crianças. Talvez, nesse momento imaginassem como isso poderia ser feito em casa.

    Não obstante, certo dia na faculdade, tive a decepção de ver e ouvir o mesmo colega
    -durante um debate sobre o tema-, posicionando-se de forma favorável à famigerada palmada. Tive que sentir a tristeza de ouvir aquilo e a vergonha de perguntar: "Será que você não poderia tratar seus filhos como trata seus clientes?"

    Infelizmente vivemos numa sociedade repleta de "The Simpsons", uma sociedade moralista e pouco efetiva, que preconiza os atos mais sublimes e que toma as atitudes mais banais.

    "Uma nação se constrói com homens e livros" dizia Monteiro Lobato. Educação,afeto, carinho e respeito no âmbito de uma lar, fazem com que a sociedade tenha os cidadão que desejamos. Se a Palmada fosse o caminho, os jesuítas e suas chibatas teriam feito uma Suiça nos trópicos.

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